sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Uber X Táxi


Terezinha chamou um Uber
Para no táxi economizar
O motorista não sabia o caminho
Fez Terezinha se atrasar

Paulo foi de Uber ao aeroporto
Por pouco não saiu de lá morto
Taxistas fizeram uma barafunda
Paulo levou um chute na bunda

Amauri era jogador de futebol
Foi demitido porque perdeu um gol
Pelo Uber Amauri foi contratado
Agora só ganha a vida sentado

Quando se viram no Portão
Foi amor à primeira vista
De Uber, João ganhava o pão
Berenice era uma gatinha taxista
Com medo ficou Berenice
Mas João a acalmou e disse:
“Há amor até na bandeira 2
O resto a gente vê depois”

            (24/02/17)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O estado da arte


No fosso da orquestra
Há o silêncio
Instrumentos em guardamento
A bailarina está imóvel
Não se ouvem aplausos
Há uma densa perplexidade no ar
Mais uma vez
Tentaram a arte matar

Para que serve a arte?
Esse não-objeto?

Saberá quem capturar o som
Com as mãos ou a voz
Quem esculpir a bailarina
No meio do giro
Quem decifrar a palavra
Entre a mente e o papel
A pintura
Entre a tela e o pincel

A burocracia inveja
O estado da arte
Que não tem dono
Ignora leis e regras
Sempre renovada
Reinventada

A arte é rebelde disciplina
Delírio engajado
É amar, armar e desarmar
Desamar e desalmar
Criteriosa desobediência
Rebeldia sem calças
É diversão e penitência
A arte é travessura
Amassa antigos e novos papéis
E os atira
Na cabeça de burocratas
Tecnocratas
Bedéis

Estes
Num revide repressivo
Impõem mais regras
Mais leis
Mais papéis
Tentam
Imobilizar a bailarina
Queimar os livros
Calar orquestras e menestréis

Pobre burocrata
Pensa que a arte é objeto
Quer feri-la e até destruí-la
O burocrata não sabe
Que a arte é como a vida
É feita de feridas
Que sangram as palavras que vão nos livros
Que amplificam o som da orquestra
Que moldam o movimento da bailarina

A arte é feita
Dos antônimos e seus sinônimos
Do amor
Do desejo
Do ódio
Do medo
E da imensa falta de todos eles

O estado da arte
É um tanto masoquista
Afinal
Sofrer é rotineiro
Pobre é o artista
Que só pensa no dinheiro

            (23/02/17)

Orquestra Sinfônica do Paraná - Foto de Karin van der Broocke


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A menina e a recessão


Contra a recessão
A comida da menina
Banco já comeu

“Criança come pouco
Banco tem barriga grande”
Jura o presidente

“Agora já passou
A recessão acabou”
Diz seu ministro

O banco engordou
Economia cresceu
Menina morreu

            (22/02/2017)



terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Sherazade anabolizada


Por mil e uma noites
Sherazade encantou Shariar
Inventando histórias
Escapou da morte
Que lhe esperava
A cada amanhecer

Por dois mil e quinhentos dias
Um político de um povoado (que se diz República)
Tal qual uma Sherazade anabolizada
Muitas histórias tem contado
A amigos togados

Ele foi pego
Povoando de fantasmas
Uma casa de leis
E forrando os bolsos
Mais de uma vez

Foi acusado
Mas
Enquanto o julgamento
Era novamente adiado
Foi reeleito deputado

Decida
Você que me lê
Entre mil e uma noites
E dois mil e quinhentos dias

Qual das histórias parece mais fantasia?

           (21/02/17)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A fábrica sem sangue do Butantan


Em São Paulo há muitas fábricas
Em todas corre muito sangue
Nas veias dos trabalhadores
Mas em São Paulo há uma fábrica
Que precisa
Mas não tem sangue
Uma fábrica que produziria curas
Não estivesse parada
Por falta de sangue
E de planejamento

Que se tire o sangue dos políticos
Esses vampiros
Que poluem o mundo com suas fábricas de mentiras
Pelas chaminés lançam promessas ao vento
Enquanto deixam morrer uma fábrica de curas

O governador que prometeu a fábrica
Há muitos anos
Hoje é ministro de estado
Em qual de seus governos estará a culpa?
Que desculpas ele fabricará?

Sem sangue, não há fábrica
Sem fábrica, não há remédio
Sem remédio, não há cura
Sem cura, há só sangue
Derramado
Do doente
Do povo enganado

          (20/02/17)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Um dia sem imigrantes


Jamais
Na história da humanidade
Houve um dia sem imigrantes

Se houvesse esse dia
Colombo
Jamais descobriria
Cabral
Não chegaria
Só haveria portugueses
Em Portugal
Ingleses
Nunca atravessariam o canal
Napoleão
Seria só mais um
Doente mental

Sem imigrantes
Seríamos todos imóveis
Seríamos todos africanos
Mas o Homem migra
La donna è mobile

Imagine
Um mundo sem imigrantes
Impossível

Imagine
Destruir tudo o que foi feito
Por imigrantes
Impossível

Imagine
Qual de nós
Não descende de imigrantes
Impossível

Imagine
Se a humanidade imigrante
Fosse exilada
De volta às árvores

Hoje
Muros são peneiras
Porém
É muito fácil
Acabar com os imigrantes
Basta desmarcar fronteiras

            (17/02/17)


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O relógio da cidade


O relógio da cidade
Marca pontualmente
A hora parada

A hora do encontro dos namorados
A hora de mais um pico do viciado

Foi justo naquela hora
Que a menina derrubou o sorvete
Que a garçonete recebeu um bilhete
Amassou sem ler
Poderia ter mudado sua vida
Se a hora não estivesse parada
Naquela hora
Em que o escritor começou
E terminou
Mais um conto

“Está na hora de cortar a barba”
Pensou o estudante
Enquanto o viúvo
Tomava mais um calmante

“Isto não está certo”
Refletiu a amante
Naquela hora
Entre dois beijos
Uma culpa e um desejo

A hora de um nascimento
E de uma morte

Naquela hora
Alguém perdeu a virgindade
E não achou grande coisa

Um político iniciou um discurso
Outro foi preso

Uma garota ainda estava no ar
Após o pulo da sua vida

Naquela hora
O músico soprou sua zamponha
Feito um Pã caído dos Andes
Na Boca Maldita

Uma pomba mandou lembranças
A um busto ilustre

A travesti quebrou o salto
Elegantemente descalça
Segurou a sandália
Sobre o ombro esquerdo

Era a hora do menino cantar
Porque queria gritar

Naquela hora
Um desejo escorria
Pelo ralo da pia

O poeta perdia
Mais uma... rima

A professora ensinava
Uma nova utopia

O funcionário pedia
Café a Maria

O operário chorava
O patrão demitia
Outro contratava

Naquela hora
Entre o nada e o tudo
A Via Láctea pulsava em uma veia exangue
O completo abraçava o inexistente
A eternidade prévia do caos
Um instante
Antes do Big Bang

            (16/02/17)




quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Daqui para o futuro


O futuro começa exatamente agora
Já passou
Foi embora

O futuro manda um beijo lá de fora
Você dormiu
Perdeu a hora

Tudo o que vemos é passado
A Terra, o Sol, as estrelas, o universo

Somos nosso próprio tempo
Mas não o temos

O presente acabará no fim desta frase
Que escrevi no futuro
E já é passado

Daqui para o futuro
Tudo será presente
Até tudo ter passado

O tempo se dobra no espaço
Engruvinhado
Feito tecido mal passado
Quem se fizer traça
Traçará seu próprio tempo

Futuro e passado
Eterno movimento
O sol sopra raios

Nas asas do catavento

            (15/02/17)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Ir e vir


Por gozo
Por custo
Como se movimenta a humanidade!
Um vai e vem patético
Por direito
Por necessidade
Enquanto podemos
Corremos
A vida é uma vista
Do outro lado da janela
Um amor
Passou
A amizade
Passou
A boa ação
Acabou de descer
Ali uma criança nasceu
Coitada
Atropelada
Não dá para parar
Para que a pressa?
Para onde vamos
Com tanta pontualidade
Se no ponto final
Nos espera
A imobilidade?

            (14/02/17)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Grande sertão: Veredas secas

Nonada
Não foi tiro
Que matou a vereda
Foi obra mais trabalhosa
Que consumiu homens e anos

Tiriri, graúna, a faiscadeira, juriti-do-peito-branco,
Ou a pomba-vermelha-do-mato-virgem
Viram os carvoeiros
Os boiadeiros
Os boias-frias

Agora
Nessas paragens
Não têm mais os olhos
O buriti não responde mais
As veredas vão minguando
Até a chuva vai secando
A jataí foi engolida
Pela fenda do chão rachado

A agroindústria bebe toda a água que persiste
O sertão vai virar mar de soja
A área é rica
Dizem governo e fazendeiros
Enquanto o povo
Ou vai embora
Ou é engolido
Pela fenda do chão rachado
Feito a jataí

Onde antes jatobá fazia sombra
Riobaldo corta cana


            (13/02/17)