quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O estado da arte


No fosso da orquestra
Há o silêncio
Instrumentos em guardamento
A bailarina está imóvel
Não se ouvem aplausos
Há uma densa perplexidade no ar
Mais uma vez
Tentaram a arte matar

Para que serve a arte?
Esse não-objeto?

Saberá quem capturar o som
Com as mãos ou a voz
Quem esculpir a bailarina
No meio do giro
Quem decifrar a palavra
Entre a mente e o papel
A pintura
Entre a tela e o pincel

A burocracia inveja
O estado da arte
Que não tem dono
Ignora leis e regras
Sempre renovada
Reinventada

A arte é rebelde disciplina
Delírio engajado
É amar, armar e desarmar
Desamar e desalmar
Criteriosa desobediência
Rebeldia sem calças
É diversão e penitência
A arte é travessura
Amassa antigos e novos papéis
E os atira
Na cabeça de burocratas
Tecnocratas
Bedéis

Estes
Num revide repressivo
Impõem mais regras
Mais leis
Mais papéis
Tentam
Imobilizar a bailarina
Queimar os livros
Calar orquestras e menestréis

Pobre burocrata
Pensa que a arte é objeto
Quer feri-la e até destruí-la
O burocrata não sabe
Que a arte é como a vida
É feita de feridas
Que sangram as palavras que vão nos livros
Que amplificam o som da orquestra
Que moldam o movimento da bailarina

A arte é feita
Dos antônimos e seus sinônimos
Do amor
Do desejo
Do ódio
Do medo
E da imensa falta de todos eles

O estado da arte
É um tanto masoquista
Afinal
Sofrer é rotineiro
Pobre é o artista
Que só pensa no dinheiro

            (23/02/17)

Orquestra Sinfônica do Paraná - Foto de Karin van der Broocke


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