quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

O relógio da cidade


O relógio da cidade
Marca pontualmente
A hora parada

A hora do encontro dos namorados
A hora de mais um pico do viciado

Foi justo naquela hora
Que a menina derrubou o sorvete
Que a garçonete recebeu um bilhete
Amassou sem ler
Poderia ter mudado sua vida
Se a hora não estivesse parada
Naquela hora
Em que o escritor começou
E terminou
Mais um conto

“Está na hora de cortar a barba”
Pensou o estudante
Enquanto o viúvo
Tomava mais um calmante

“Isto não está certo”
Refletiu a amante
Naquela hora
Entre dois beijos
Uma culpa e um desejo

A hora de um nascimento
E de uma morte

Naquela hora
Alguém perdeu a virgindade
E não achou grande coisa

Um político iniciou um discurso
Outro foi preso

Uma garota ainda estava no ar
Após o pulo da sua vida

Naquela hora
O músico soprou sua zamponha
Feito um Pã caído dos Andes
Na Boca Maldita

Uma pomba mandou lembranças
A um busto ilustre

A travesti quebrou o salto
Elegantemente descalça
Segurou a sandália
Sobre o ombro esquerdo

Era a hora do menino cantar
Porque queria gritar

Naquela hora
Um desejo escorria
Pelo ralo da pia

O poeta perdia
Mais uma... rima

A professora ensinava
Uma nova utopia

O funcionário pedia
Café a Maria

O operário chorava
O patrão demitia
Outro contratava

Naquela hora
Entre o nada e o tudo
A Via Láctea pulsava em uma veia exangue
O completo abraçava o inexistente
A eternidade prévia do caos
Um instante
Antes do Big Bang

            (16/02/17)




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