quarta-feira, 1 de março de 2017

A vida em streaming


No princípio era a fala
E a fala era Deus
Nela estava a vida
E a vida era a luz dos homens

A fala se fez escrita
A escrita caminhou entre nós
E se fez impressa
E a fala impressa
Agravou os pecados do mundo

Então o homem criou a máquina
Que capturava paisagens e pessoas
E disse “Vinde e Vede”
Sua imagem e semelhança

O homem não parou
O escrito ganha a fala novamente
Agora transmitida a longas distâncias
A longa fala não bastava
A imagem capturada
Antes estática
Ganha movimento
Primeiro em quadros por segundo
Depois viaja pelo espaço por todo o mundo
Para estacionar em uma tela
Dentro de nossas casas

Disse-nos o homem, sem verdade:
“Daqui em diante vereis o céu aberto
E os anjos de Deus
Subindo e descendo
Sobre o Filho do homem”
E a tela subiu ao altar
Deusa no lar
Bem-aventurados aqueles que a vêem

Porém
Aquela tela foi o princípio
Não o fim
Outras telas vieram
Para lhe fazer concorrência
Tela contra tela
Feito irmão contra irmão
As que surgiam eram mais conectadas
Formavam uma grande teia planetária
Unindo mais que sete igrejas

As novas telas sobem ao trono
A elas foram dadas
“Graças, e honra, e glória,
E poder para todo o sempre”
Quem cai nessa teia
Dificilmente escapa
Quem não quer ser pego
Que não se aproxime
A vida vai ao extremo
Do streaming

As sete pragas
Dos sete anjos
A um clique de distância
“Nem sol
Nem calma alguma
Cairá sobre eles”
Desconectar é doloroso
Tudo é transmitido
Do primeiro respiro
Ao último gozo
Se alguém tem ouvidos, ouça
A corrente é forte
As telas nos acompanharão
Da fecundação até a pós-morte

            (01/03/17)


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